MÍNIMO EXISTENCIAL
Por Lilian Matsuura
A educação infantil, por ser um direito fundamental, não se submete aos problemas orçamentários do governo. Com esta afirmação, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal rejeitou Agravo proposto pelo município de São Paulo contra a decisão que definiu que o Judiciário pode obrigar o Executivo a matricular crianças em escolas e creches próximas de suas residências ou dos locais de trabalho dos seus pais. A decisão é do dia 23 de agosto.
De acordo com a ementa da decisão, relatada pelo ministro Celso de Mello, apesar de ser inquestionável a prerrogativa do Legislativo e do Executivo para definir políticas públicas, o Judiciário pode interferir quando entender que direitos sociais e culturais, garantidos pela Constituição Federal, estão sendo descumpridos pelos órgãos estatais competentes.
Em relação à cláusula da reserva do possível, no caso o argumento do município de falta de dinheiro para cumprir a determinação, os ministros definiram que esta alegação não pode ser usada pelo Poder Público "com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição". Para eles, o argumento esbarra no mínimo existencial, que engloba a educação infantil.
A Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, citada na ementa da decisão, explica que a noção do mínimo existencial compreende prerrogativas capazes de garantir condições adequadas de uma existência digna, com acesso à liberdade e a direitos sociais básicos: educação, saúde, moradia, alimentação, segurança.
Os ministros, com base no voto do decano Celso de Mello (que ainda não foi publicado), também chamaram atenção para o princípio da proibição do retrocesso social. Isto quer dizer que a partir do momento em que o Estado reconhece na Constituição Federal os direitos dos cidadãos, assume a obrigação de torná-los efetivos e de não suprimi-los quando já concretizados.
Direitos das crianças
Em junho, o ministro Celso de Mello, ao analisar monocraticamente o recurso, já decidiu que o direito à educação é um dos direitos sociais mais expressivos, que implica em um dever do Poder Público, e dele o Estado só se desincumbirá “criando condições objetivas que propiciem, aos titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional, inclusive ao atendimento, em creche e pré-escola, às crianças até cinco anos de idade”. A 2ª Turma votou no mesmo sentido do decano e, desta decisão, o município de São Paulo interpôs Agravo.
Celso de Mello deixou claro que o direito à educação infantil não pode ser menosprezado pelo Estado, “sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário”. Nesse sentido, explica que a eficácia desse direito não pode ser comprometida pela falta de ação do Poder Público.
Ao votar, o ministro considerou o objetivo do legislador constituinte, que quanto à educação infantil, delineou “um nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas consequentes e responsáveis — notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola”. Por conta disso, diz, sua não realização é uma situação de inconstitucionalidade por omissão do Poder Público.
ARE 636.337
Clique aqui para ler a ementa e o acórdão da decisão.
Lilian Matsuura é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 12 de setembro de 2011
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