RAYMUNDO
DE LIMA*
No
dia 11/3/2009, numa escola de Winnenden, Alemanha, um adolescente[1] matou 15 pessoas, e depois teria sido morto pela polícia ou
cometido suicídio. Massacres de alunos e professores cometidos por jovens vêm
se espalhando pelo mundo, em intervalos mais curtos, como se fosse uma
epidemia.
Poucos dias depois, o professor Almir Olimpio Alves, que realizava
pós-doutorado na Universidade Binghamton, EUA, no dia 03/04/2009, é a primeira
vítima fatal de um massacre numa uma instituição de atendimento a imigrantes. O
atirador matou 13 pessoas, e foi encontrado morto com um tiro na cabeça, no
prédio da Associação Cívica Americana que ajuda imigrantes e refugiados.
Noticiado
pela imprensa como massacre ou barbárie, esse tipo de crime vem sendo chamado
de “amouco” (vem de Amok, palavra de origem
javanesa que a psiquiatria designa atos criminosos inexplicáveis, sem motivo
aparente; com fácil acesso às armas uma pessoa considerada normal vai matando
todos que encontra pela frente, suicidando-se depois).
Psicólogos, psiquiatras e sociólogos avançam pouco nas pesquisas
por que um jovem em fase escolar transforma-se em assassino múltiplo de
colegas, professores ou qualquer passante que casualmente se encontra na linha
de tiro.
Alguns
pontos, porém, são coincidentes em tais crimes: a) a maioria dos assassinos são
jovens (homens), considerados pelos estudos como ressentidos, rotulados delosers (perdedores) pelos
colegas e professores; b) são viciados em videogames e filmes violentos[2];
c) tinham acesso fácil a armamento pesado; d) eram quietos, reservados,
esquisitos; e) escolheram descarregar sua arma no ambiente da escola e depois
se suicidam; f) antes do ato não apresentam qualquer sinal de comportamento
desviante ou histórico de delinqüência, mas teriam histórico familiar
complicado. (ler o ensaio do psicanalista Contardo Calligaris publicado na Folha de S. Paulo, 19/03/2009) no qual aponta mais um
elemento sintomal: “esses gestos homicidas e suicidas são propositalmente
públicos. Não se trata de alvejar os passantes a partir de uma janela escondida:
a matança é teatral”).
Ou seja, eles planejaram os seus crimes como se fosse um
espetáculo. Agiram como se fossem protagonistas de um filme violento. Parecem
movidos pelo desejo de onipotência e de “produzir remorso em escala global”.
“se você não pode se tornar conhecido e famoso na e com a sociedade, então se
volte contra ela” (op.cit.).
Também
chama atenção: a maioria dos assassinos nunca treinou com armas de verdade, só
na “realidade virtual” dos videogames, e, mesmo assim, conseguiram uma margem de
acertos entre 90 e 100% em suas vítimas, como observa o psicólogo David
Grossman (cf.: http://www.espacoacademico.com.br/018/18ray.htm).
No início esse tipo de crime era considerado apenas mais um
sintoma da cultura norte-americana, que supervaloriza o espetáculo, o dinheiro,
às armas, à competição, o consumo. Mas, foi na Escócia, em 1996, o primeiro
lugar a ser noticiado o massacre de16 crianças e um professor (mais o
assassino, suicida).
Em 1997, na cidade de West Paducah (Kentucky/ EUA), um adolescente
de 14 anos matou a tiros, após a oração matinal, três colegas de escola, e
cinco outros foram feridos.
Depois, em 1998, em Jonesboro (Arkansas), dois meninos (11 e 13
anos) abriram fogo na escola, matando quatro meninas e uma professora. No mesmo
ano, em Springfield (Oregon), outro de 17 anos matou a tiros em uma “high
school” dois colegas e feriu 20.
Em 1999, dois jovens de 17 e 18 anos provocaram um banho de sangue
no Instituto Columbine, em Littleton (Colorado): com armas de fogo e
explosivos, eles mataram em sua escola 12 colegas, um professor e, em seguida,
a si próprios.
Mas, esse tipo de massacre nas escolas também vem ocorrendo em
países de diferentes culturas e distâncias: Canadá, Escócia, Suíça, Alemanha,
Japão, Uganda, e até a Finlândia, que é 1º lugar no ranking das melhores
escolas do mundo teve dois massacres: 9 e 11 pessoas foram assassinadas numa
escola, respectivamente em 2007 e 2008.
No
Brasil fala-se da violência na/da/contra[3] as escolas, mas ainda não aconteceu massacres desse tipo.
As explicações “científicas” convencionais interpretam esses
massacres amoucos como efeitos do mal-estar produzido pelo capitalismo global e
“estão integrados no contexto maior de uma cultura da violência interna à
sociedade” (R. KURZ).
Esse “mal-estar” não traz os sinais clássicos de maldade, mas sim,
é considerado efeito normal da diversão e gozos próprios da pós-modernidade
(ZIZEK, 1999): os jovens passam horas se ‘divertindo’ em videogames violentos,
cujo efeito é a dessensibilização sobre a dor dos outros; inconscientemente,
eles estão exercitando sua pulsão de morte para ser ato na realidade concreta.
A nova geração estaria inaugurando a era “pós-humana” (Haraway, apud Green e
Bigun, 1995, p. 218, 231-2), i.é, apagando as fronteiras entre a realidade e a
ficção, e negando radicalmente o papel civilizador da escola.
Um aluno humilhado pelos professores e colegas, e ressentido com
uma escola ambígua, contraditória e hipócrita, remói no seu imaginário uma
vingança espetacular contra professores e alunos na escola/ universidade. Assim
o “ressentimento” (ZUIN, 2008) autorizado pela atmosfera pós-moderna seria o
impulsionador para o ato amouco. Do mesmo modo, um trabalhador desempregado,
ressentido com o sistema, é tomado de fúria contra todos, como aconteceu com o
vietnamita Jiverly Voong, autor do massacre de 03/04/2009: ele tinha sido
demitido da IBM e se sentia frustrado porque não conseguia aprender inglês.
Desse modo, “a vingança [do ressentido] é adiada”, acumulada, faltando muito
pouco para adquirir um instrumento, local e hora para ser ator de seu teatro.
Na linha de Zizek (ibid.), na sociedade liberal-permissiva a
criança aprende que “pode tudo” para o bem ou para o mal. O princípio cristão
do “amor ao próximo”, nesse tipo de sociedade, é substituído por “amor a si
próprio” (narcisismo) e pela vingança indiscriminada contra todos aqueles que
supostamente são vencedores da competição patrocinada pelo sistema capitalista.
Segundo Zizek, vivemos um vale tudo para ‘mais-gozar’ a vida: vale
tanto matar-virtual, de mentirinha, como matar na realidade através de
micro-violências atuadas no cotidiano banal. Porém, essa linha de pensamento
não explica por que só algumas pessoas cometem ato amouco, enquanto que a
maioria dos jogadores dos videogames se satisfaz cometendo massacres virtuais
ou assistindo mortes em cenas de filmes.
É visível que a nova geração de jovens dá sinais de autismo
social: a criança e o jovem, em várias situações do cotidiano, revelam
insensibilidade em relação ao sofrimento alheio, mas podem chorar
convulsivamente diante de uma cena de ficção. Ao receber um “não” dos pais ou
professores eles podem reagir de forma explosiva e emoção desmedida. Eles dão a
impressão de que vivem numa bolha imaginária, onde o outro é simbolicamente
anulado. Há uma tendência de esses jovens se fecharem num mundinho específico
do seu quarto, das mensagens do celular ou do MSN, Orkut, onde recusam
conversar com adultos ou pessoas de outra “tribo”. Esse narcisismo da recusa ou
indiferentismo são sintomas de estruturas psicóticas e perversas prontas para
passar ao ato. Mas, os atos amoucos seriam produto de uma estrutura psicótica?
Então, por que não deixaram indícios? Por que se irrompem com tamanha
brutalidade?
Os documentários “Tiros em Columbine” (2002), “Bang bang, você
morreu” (2001), que serviram de inspiração para o filme “Elefante” (2003), dão
a impressão de serem mais corajosos em levantar hipóteses e provocar reflexões
do que os resultados das pesquisas nos campos da sociologia, antropologia,
psicologia social, psicanálise, etc. No Brasil as investigações e debates sobre
esse assunto parece quase ignorado; merece destaque alguns ensaios direcionados
pelo menos para provocar o debate na nossa sociedade, conforme registramos nas
referências. Contudo, os autores ainda são reféns de sua disciplina, i.é, carecem
de um esforço epistêmico no sentido da transdisciplinaridade. Porque como
alerta Edgard Morin: “problemas complexos [como são os crimes amoucos] exigem
um modo/método de pensamento também complexo”.
Referências
COSTA, J. F.
Narcisismo em tempos sombrios. In: Percursos da história da psicanálise. Rio de
Janeiro: Taurus-Timbre, 1988.
GREEN, B. e BIGUN,
C. Alienígenas em sala de aula. In: Silva, T.T. (org.). Alienígenas em sala de aula. Petrópolis:
Vozes, 1995.
ZIZEK, S. O
superego pós-moderno. In: Folha de S. Paulo – Mais! 23/ maio/ 1999, p.5-8.
ZUIN, Antonio. A
educação de Sísifo: sobre ressentimento, vingança e Amok entre professores e
alunos. Educação e Sociedade, Campinas, v. 29, n.103, p.583-606, maio/ago.
2008.
* RAYMUNDO DE LIMA é graduado em
Psicologia, Mestre em
Psicologia Escolar (UGF) e Doutor em Educação pela
Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor do Departamento de
Fundamentos da Educação, na área de Metodologia da Pesquisa, da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Publicado na REA nº 96, maio de 2009, disponível emhttp://www.espacoacademico.com.br/096/96lima.htm
[1] O pai, que colecionava armas e praticava tiro ao alvo,
enfrenta a acusação de negligência e violação das leis de armas, se ficar
provado que ele não as guardava de acordo com o prescrito. Depois desse
massacre o governo da Alemanha deve revisar o acesso às armas, e adotar mais
medidas preventivas e emergenciais diante de novo ataque. (Cf.:http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u534935.shtml )
[2] A revista “Der Spiegel” informa em seu último número
que o jovem tinha jogado games violentos em seu computador na noite antes do
massacre e que há meses participava de fóruns na internet sobre massacres
escolares.
http://espacoacademico.wordpress.com/2012/12/01/massacre-nas-escolas/
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