Por Vilmar Berna*, do Portal do Meio Ambiente
Conta-se que um dia o editor pediu a um repórter para escrever sobre Jesus Cristo, e o repórter, prudentemente, perguntou: "Contra ou a favor?" É uma brincadeira, naturalmente, mas revela um aspecto da informação, o de que pode ser abordada por diferentes ângulos. Com a informação ambiental não é diferente.
Como não existe neutralidade em nada na vida, não existe também na informação. O olhar do observador muda o objeto da observação ensinou Einstein na Teoria da Relatividade. Cada um de nós carrega uma história de vida, uma formação e auto-formação profissional, valores, utopias, ética, que nos torna únicos em relação aos demais.
Por isso, informar é fazer escolhas, o que só pode acontecer onde existir liberdade, como nas democracias. Em ditaduras, o que existe é a verdade única dos dominadores. Além da liberdade, precisamos de ética para definir o que devemos divulgar, pois nem sempre podemos tudo o que queremos. Uma informação pode encobrir mais que revela. Dependendo do observador, um aspecto da informação poderá estar sendo mais revelado que outro, e ambos podem ser verdadeiros - ou tendenciosos, ou falsos.
Escolher significa que uma informação pode ser tratada pelo seu lado técnico ou político, pelo lado da cidadania ou da educação ambiental, e assim por diante. E mesmo quando se escolhe abordar pelo lado técnico, aí também poderá admitir variações, pois tanto pode tender para a biologia, ou engenharia, ou direito, etc. Mas, por qualquer ângulo que se resolva abordar uma informação, sempre existirão outros ângulos que não foram percebidos ou foram deliberadamente deixados de lado. Informar envolve escolher, lançar luz sobre aspectos da realidade que consideramos importante e deixar os demais aspectos nas sombras, como se nosso olhar fosse uma espécie de farol. Muitas vezes é aí que um profissional se destaca dos demais e ganha o respeito do público, quando vai além de onde ou outros já foram e revela um aspecto da informação que estava oculto nas sombras.
E é esse fato que coloca o profissional da comunicação numa posição estratégica na sociedade. Assim como se espera que um médico seja capaz de diagnosticar um problema e aplicar o tratamento da maneira mais eficaz possível, se requer o mesmo de um profissional da comunicação em relação à verdade. Ele deve reunir as competências e a qualificação para revelar a verdade dos fatos, ainda que a verdade tenha a tendência de se ocultar nos vãos. Por que podemos perceber a verdade, mas sempre que a vamos transmitir o fazemos através de nós e tendemos a alterar a verdade ao falarmos ou escrevermos sobre ela.
Por exemplo, vivemos numa sociedade injusta, dividida entre dominadores e dominados. A informação pode se prestar a ser um instrumento de libertação ou de alienação, pode promover a manutenção do modelo ou provocar mudanças. Isso é especialmente importante na informação ambiental diante de um mundo dividido entre dois modelos e estilos de vida, um que trouxe a humanidade até a beira de um possível colapso ambiental, e outro que propõe o caminho da sustentabilidade.
Se enquanto cidadão, não existe neutralidade, enquanto profissional é preciso saber manter um distanciamento dos fatos para conseguir transmitir uma informação a mais próxima da realidade. Será preciso ouvir e cruzar as fontes envolvidas na questão, e não apenas os lados que nos agradam. Cabe ao público escolher, e não ao profissional. Não se trata de tarefa fácil, pois a realidade está mais para cinza que para preto e branco, e o espaço ou o tempo da noticia são bem curtos e o interesse do publico também.
Não se requer de um jornalista que cubra a área de esporte, por exemplo, que seja também um atleta. Mas na área ambiental, somos todos cidadãos, e o jornalista, por sua própria profissão, precisa ser um crítico da realidade, o que pode reforçar sua cidadania e a tendência em engajar-se em causas que enquanto cidadão considera importantes. O desafio é não deixar que este engajamento comprometa seu desempenho profissional, por exemplo, tendendo a ouvir mais as fontes que o agradam enquanto cidadão e distorcendo ou exagerando as declarações das fontes que o desagradam. Um jornalista engajado com a defesa do meio ambiente tenderá a valorizar muito mais aos ambientalistas, como fontes, que aos poluidores. Entretanto, o público tem o direito de saber de todos os aspectos envolvidos nos fatos, pois cabe a ele, e não ao jornalista, fazer as escolhas. Para um jornalista engajado não disposto a fazer concessões, existe o caminho profissional em instituições dedicadas à defesa do meio ambiente, que cada vez mais valorizam profissionais que 'vestem a camisa' de suas causas. Já na mídia de massa, não especializada em meio ambiente, o engajamento poderá não ser tão bem acolhido.
Um dos maiores patrimônios de um profissional da comunicação é a sua credibilidade. E assim como é bem difícil construí-la é bem fácil perdê-la. Basta ser descoberto, por exemplo, envolvido na divulgação de mentiras ou meias verdades, para beneficiar um lado em detrimento do outro. Ou quando diz uma coisa e pratica outra. O que faz a diferença entre um bom e um mau profissional não é o seu talento e capacidade, mas sua credibilidade. Um profissional sem credibilidade pode ter um texto brilhante ou um tom de voz imponente, mas dificilmente conquistará o respeito do público, das fontes e dos colegas de profissão. A credibilidade permite, entre outras vantagens, construir uma sólida rede de fontes, e que irá acompanhá-lo aonde for. E isso poderá fazer toda a diferença. Por mais brilhante e superdotado que um profissional seja, diante da complexidade da realidade, jamais será capaz de saber tudo. Então, não tem de assumir a postura arrogante de quem acha que domina um assunto, pois o impedirá de estabelecer parcerias e relacionamentos com técnicos e cientistas que dominam melhor o assunto e que quase sempre ajudam de bom grado, desde que sejam procurados e tratados com o respeito que merecem pelo conhecimento adquirido.
Nossas caixas de e-mail são invadidas diariamente por centenas de informações das mais variadas fontes, e pode parecer mais cômodo sucumbir à mesmice reproduzindo o senso comum que pode não ser verdadeiro. Por exemplo, o planeta esta aquecendo ou esfriando? As mudanças climáticas são verdadeiras ou falsas? Os desastres e fenômenos climáticos extremos são efeito direto das mudanças climáticas ou podem ter outras causas?
Alem disso, a informação não 'fala' apenas ao intelecto, mas também ao coração. Muitas pessoas podem lembrar a importância que uma informação teve em suas vidas, por exemplo, no momento em que decidiram abraçar uma carreira, ou uma causa, ou uma mudança qualquer que pode ter começado com a leitura de um texto, uma aula de um professor, as palavras de um palestrante. A informação carrega em si o poder de revolucionar uma vida ou uma nação, por que é portadora de idéias, de valores e pode sensibilizar, emocionar, convencer.
Formação profissional alguma será capaz de dar conta de tamanha desafio e complexidade! Terá de ser uma tarefa para a vida inteira, um processo continuo de auto-formação, onde se aprende muito mais com os próprios erros, e se aprende a aprender.
*Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( http://www.portaldomeioambiente.org.br/). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – http://www.escritorvilmarberna.com.br/
(Envolverde/O autor)
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