sábado, 26 de março de 2011

Contra o tráfico de pessoas

Adital


Priscila Siqueira, da ONG Serviço à Mulher Marginalizada

Paulo Lima/ Balaio de Noticias -

As estatísticas são impressionantes. De acordo com a ONU, de 1 a 4 milhões de pessoas são traficadas anualmente no mundo. As maiores vítimas são mulheres jovens e meninas. A atividade criminosa movimenta anualmente cerca de US$ 12 bilhões. Trata-se da terceira atividade ilegal no mundo, só ficando atrás do tráfico de armamento e drogas.



O Brasil responde com cerca de 15% das mulheres que deixam a América Latina para trabalhar em prostíbulos e saunas no mundo inteiro, segundo denúncia apresentada no 1º Seminário Internacional sobre Tráficos de Seres Humanos, ocorrido em 2000, em Brasília.



Há cerca de 75 mil mulheres brasileiras se prostituindo em países da Europa, segundo estatísticas da Fundação Helsinque. O crime tem à sua disposição 131 rotas de tráfico de mulheres, segundo reportagem da Folha.



Para evitar a divulgação desse “cartão postal” pouco lisonjeiro do País, foi criada há 12 anos a ONG Serviço à Mulher Marginalizada (SMM), com sede em São Paulo, que conta com a articulação da jornalista Priscila Siqueira.



Autora do estudo “Tráfico de mulheres – oferta, demanda, impunidade”, Priscila tem participado de encontros e seminários no exterior que procuram discutir o problema. Ano passado esteve na Alemanha e nos Estados Unidos.



A exploração sexual de mulheres, tão presente no Brasil, especialmente no Nordeste, não está na pauta da nossa imprensa da forma que deveria. “Agora, após o governo Lula, quando o assunto deixou de ser tabu, é que a imprensa de nosso País tem dado atenção a essa questão”, diz Priscila.



Mas na imprensa americana o tema tem sido alvo de matérias especiais. Este é o caso, segundo Priscila, das reportagens de Nicholas D. Kristof, do New York Times, que há anos vem denunciando a exploração sexual de mulheres na Ásia. As reportagens de Nicholas,com amplos recursos multimídia, estão disponíveis na versão online do NYT.



Segundo Priscila, apesar de algumas práticas isoladas de combate à exploração sexual já começarem a surgir no Brasil é o Estado que precisa assumir a liderança dessas atitudes. A imprensa poderia ter um papel preponderante nesse processo, “ajudando a conscientizar a sociedade para o fato de que o problema não atinge somente as camadas mais pobres”.



Um dia antes de embarcar para a Noruega, onde foi ajudar numa campanha de conscientização sobre o tráfico de seres humanos, ela concedeu por e-mail a entrevista que se segue.



- Como o combate à exploração sexual comercial de mulheres e crianças, no Brasil, pode ser bem sucedido, enquanto perdurarem as condições de reprodução desse tráfico, como a pobreza, a miséria e níveis baixíssimos de educação?



Priscila Siqueira – Quando analisamos a questão do tráfico de seres humanos, sempre recorremos ao clássico triângulo de três lados iguais, que são a Oferta, a Demanda e a Impunidade. O que provoca a oferta são exatamente as condições econômicas degradantes que atingem milhões de pessoas no mundo como também em nosso País.



Obviamente estas condições econômicas são reforçadas por questões culturais, como o machismo e o patriarcalismo. Só que não podemos ficar à espera de que tais problemas terminem para enfrentarmos o tráfico de seres humanos. A luta é concomitante e dialética.



- Em quais regiões do Brasil a situação é mais alarmante?



P.S. – A pesquisa Pestraf [sobre tráfico de mulheres crianças e adolescentes para fins de exploração comercial no Brasil], de 2002, coordenada pelas pesquisadoras Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal, da Universidade de Brasília, mostra que no Nordeste brasileiro, assim como no Centro-Oeste, há um maior número de crianças e mulheres traficadas.



- Onde, no Brasil, vocês têm identificado as melhores práticas de combate a esse tipo de crime?



P.S. – As práticas de luta contra esse crime hediondo começam a aparecer em diversos lugares de nosso País. Por exemplo, o Rio Grande do Norte tem uma tradição de combate ao turismo sexual que não é a mesma coisa que tráfico de seres humanos, mas é uma porta aberta para que mulheres e crianças sejam traficadas. Por outro lado, em diferentes municípios brasileiros, ou o poder público ou a sociedade civil iniciou lutas de enfrentamento ao problema. Mas são atitudes isoladas que precisam ser assumidas num plano mais amplo sob a liderança do próprio Estado brasileiro.



- Na sua opinião, a atuação da imprensa brasileira tem sido satisfatória na denúncia desses problemas?



P.S. - Agora, após o governo Lula, quando o assunto deixou de ser tabu, é que a imprensa de nosso País tem dado atenção a essa questão.



- O que mais poderia ser feito por essa mesma imprensa?



P.S. – Ajudar a conscientizar a população que o tráfico de seres humanos existe e que não é somente uma ameaça às classes mais pobres (daí eu não preciso me preocupar), mas a toda sociedade brasileira.



- Você tem noção da atuação das imprensas americana e européia a respeito dessas questões?



P.S. – O New York Times tem publicado matérias sobre o tráfico principalmente na Ásia, onde o jornalista Nicholas D. Kristof – numa reportagem denúncia – chegou a comprar duas adolescentes com direito a recibo...



- Ano passado você participou na Alemanha de um encontro em que se discutiu o tráfico de mulheres, e esteve presente em reunião na ONU que tratou do tráfico de seres humanos. Que diretrizes foram retiradas desses encontros?



P.S. – Tanto na Alemanha quanto na ONU, nossa luta é mostrar que o tráfico de seres humanos tem relações profundas com a miséria e exploração dos países do terceiro mundo. A rota do tráfico de seres humanos é a rota da grana. As pessoas são presas fáceis do tráfico, pois estão atrás de condições mais dignas de vida. Por outro lado, o tráfico de seres humanos tem de ser encarado como um crime contra os Direitos Humanos, aliás, o pior desrespeito à dignidade humana na atualidade Queremos também trabalhar com a demanda para entendermos melhor o que faz um homem se sentir no direito de usar sexualmente uma criança ou uma mulher em situação de vulnerabilidade.



- A SMM mantém parceria com instituições internacionais? Como funcionam essas parcerias?



P.S. – Nossas parcerias são com agências internacionais (como a Igreja Reformanda da Noruega, a Cordaid e a Miserior), que nos permitem travar esta luta de enfrentamento à exploração sexual comercial de mulheres e crianças.



- E no Brasil, quais são as parcerias estabelecidas?



P.S. – No Brasil nossas parcerias são de trabalho com outras ONGs e movimentos que atuam na área.



- Não é contraditório que no Brasil o poder público tente combater o turismo sexual e, por outro lado, as políticas de incentivo ao turismo estimulem uma visão sensual dos nossos litorais?



P.S. – Essa é uma das nossas lutas – fazer com que se venda a imagem das paisagens brasileiras e não as bundas de nossas mulheres...



- Em sua opinião, a regulamentação da prostituição como profissão poderia inibir as atividades ilícitas em torno dessa atividade?



P.S. – A regulamentação da profissão de prostituta tem de ser discutida amplamente, principalmente com as profissionais do sexo. A formulação da lei tem de ser cuidadosa para não prejudicar ainda mais a mulher traficada, transformando o tráfico de seres humanos em uma atividade legal.



- Qual o ranking ocupado pelo comércio do tráfico de mulheres no mundo? Quanto o tráfico rende anualmente aos criminosos?



P.S. – Segundo a ONU, o tráfico de seres humanos é a terceira atividade ilegal no planeta, perdendo somente para o tráfico de armamentos e drogas, respectivamente. Daria um lucro anual de 12 bilhões de dólares.



- Qual a posição do Brasil nesse cenário?



P.S. – Infelizmente somos o campeão de “exportação” de mulheres e crianças para a indústria da prostituição no primeiro mundo em toda América do Sul.



- Diariamente a imprensa divulga casos de punição de crimes de naturezas diversas, mas pouco é noticiado sobre turismo sexual ou tráfico de pessoas. A lei existente é pouco efetiva a esse respeito?



P.S. – Lembra da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, coordenada pela senadora Patrícia Saboya Gomes, do PPS, sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, na qual vários figurões brasileiros foram implicados? Uma de nossas questões é saber como foram punidos e onde estão agora. Teve o caso de vereador condenado por exploração sexual de crianças que foi reeleito...



-Que orientação a SMM costuma oferecer a brasileiros ou brasileiras que recebem propostas “generosas” de trabalho no exterior?



P.S.–Temos publicações tentando alertar para os perigos de ofertas maravilhosas de emprego ou casamento no exterior. O SMM, juntamente com a Asbrad, uma ONG de Guarulhos, conseguiu que a Superintendência da Polícia Federal de São Paulo colocasse em todos os passaportes emitidos no estado um folder alertando sobre esses perigos. Uma grande vitória que conseguimos é que hoje em dia a Polícia Federal de todo Brasil coloca em cada passaporte emitido no País um folder, não igual, mas que tem a mesma finalidade. A ação de duas ONGs transformou-se em uma política pública de defesa da mulher. Legal, não é?



-Que avaliação você faz da atuação do poder público no governo Lula, no combate desses problemas?



P.S. – Minha avaliação do Lula é dual: em relação à luta pontual contra o tráfico de seres humanos, nunca tivemos tanto apoio. Tanto que o SMM, juntamente com outras ONGs, foi chamado a discutir as políticas de enfrentamento que estão sendo formuladas pelo Ministério da Justiça, Secretaria das Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos. Mas no que diz respeito a mandar dinheiro para fora do País, é igualzinho ao FHC... Sua política macroeconômica só está agravando ainda mais a fome, miséria etc., causas básicas do tráfico de seres humanos.

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