Por Mario Osava, da IPS
Rio de Janeiro, Brasil, 13/1/2011 –
Dilma Rousseff confirmou em suas ações iniciais como primeira presidente do Brasil que a dimensão feminina distinguirá sua gestão, desenhada para ser a continuidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma, após assumir o cargo e nomear nove ministras – recorde histórico –, anunciou que sua principal meta social é erradicar a pobreza extrema. Para cumprir esta promessa terá de adotar um enfoque de gênero, porque esta é uma chaga basicamente feminina, que resistiu às ultimas e exitosas políticas de combate à pobreza e à desigualdade no Brasil.
As famílias mais pobres estão majoritariamente a cargo de “mulheres com filhos pequenos, menores de dez anos”, segundo Hildete Pereira, professora da Universidade Federal Fluminense e pesquisadora de economia e gênero. Esta situação ocorre por um conjunto de fatores, entre eles os fatos de as mulheres receberem salário menor do que o dos homens para trabalho igual, terem menos propriedades e serem as esquecidas nas heranças. Isto se agrava quando os casais se separam, pois são elas que, geralmente, assumem a responsabilidade pelos filhos, disse a economista à IPS.
Com menos renda, mais responsabilidades e obstáculos adicionais para obter emprego, a mãe sozinha cai na miséria. Por isso, o Programa de Erradicação da Pobreza Extrema, que estará pronto para aplicação em março conforme anunciado pelo governo de Dilma Rousseff, exigirá a capacitação das mulheres beneficiadas e incluirá ampla oferta de creches, disse Hildete. Se não forem criadas as condições para que essas mulheres tenham melhores oportunidades no mercado de trabalho e maiores rendas, as possibilidades de reduzir a miséria nesse segmento da sociedade serão muito escassas, segundo os especialistas.
A quantidade de brasileiros na indigência caiu de 32,4 milhões para 15,8 milhões, entre 1993 e 2008. Porém, se forem consideradas apenas as famílias lideradas por mulheres, apenas 300 mil pessoas saíram dessa situação dentre as 5,5 milhões que havia no começo desse período, segundo o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade, com base em dados oficiais. Também se sabe que a situação é ainda pior nas dez maiores cidades do país, onde a quantidade de famílias indigentes encabeçadas por mulheres aumentou de 1,6 milhão para 1,8 milhão nos 15 anos estudados.
“O rosto da pobreza extrema é uma mulher negra e chefe de família”, resumiu Hildete, e acrescentou que também a discriminação racial contribui para anular, nesse setor populacional, os efeitos positivos do crescimento econômico, a geração de milhões de empregos e as políticas de transferência de renda que marcaram os oito anos do governo Lula.
Dilma prometeu em sua campanha criar seis mil creches. A quantidade é irrisória para as necessidades de um país com 191 milhões de habitantes, mas se trata de uma meta do governo federal, que não é o responsável por este tipo de atenção social. O problema é que as prefeituras, as verdadeiras responsáveis por aumentar o número de creches, não o fazem, embora disponham de recursos de um fundo educacional. Tampouco este assunto é uma bandeira importante de campanha nas eleições municipais, lamentou Hildete, dizendo que o desafio de Dilma será “induzir” as autoridades locais a fazerem sua parte.
“A luta mais obstinada de meu governo será a erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos”, assegurou Dilma ao assumir a Presidência. Para a tarefa colocou Tereza Campello à frente do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e Ana Fonseca como sua sub, ambas com um passado de projetos e coordenação de programas sociais, como o Bolsa-Família, que beneficia 12,8 milhões de famílias pobres.
A feminização do governo promovida por Dilma não atingiu a meta anunciada de 30% de mulheres em sua equipe de 37 integrantes do gabinete. Mas nove mulheres representam o dobro da média mantida por Lula em seus dois mandatos. Na história da República, inaugurada em 1889, houve apenas 17 ministras, e nenhuma antes de 1889. É “uma novidade importante”, embora a meta de 11 não tenha sido atingida “porque os partidos não indicaram mulheres” para representá-los no gabinete ministerial, disse Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Além disso, todas as ministras reúnem “qualificação técnica e compromisso” com a igualdade de gênero, acrescentou Jacira. “Pela primeira vez, as políticas sociais serão integradas”, com uma coordenação entre ministérios de baixos orçamentos, como os de Políticas para Mulheres, de Igualdade Racial e de Direitos Humanos, que fortalecerá suas vozes nos projetos destinados a combater as desigualdades, ressaltou.
As primeiras iniciativas do governo alimentam o “otimismo” do movimento de mulheres. A decisão de Dilma de querer ser chamada de presidenta, em lugar da palavra neutra presidente, preferida pelos meios de comunicação e pela população em geral, tem “um valor simbólico extraordinário”, disse a ativista. Essa afirmação feminina não ocorreu nas eleições parlamentares realizadas em outubro, ao mesmo tempo que o primeiro turno presidencial.
Apenas 45 mulheres conseguiram acesso à Câmara dos Deputados, com 513 cadeiras, repetindo o resultado de 2006. No Senado, a bancada feminina aumentou apenas uma cadeira, somando 12 senadoras entre 81 integrantes da casa. “Temos de questionar os partidos políticos, que são a grande barreira” para uma maior representação feminina no parlamento, ao bloquearem o acesso das mulheres a instâncias de poder partidário e negar-lhes financiamento para suas campanhas eleitorais, lamentou Jacira.
Dilma tampouco abraçou bandeiras feministas, como a legalização do aborto, mas se seu governo conseguir “tratar com serenidade o assunto, sem ceder às pressões da Igreja Católica”, ampliando os serviços de saúde e de prevenção, já será um grande avanço, concluiu Jacira. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)
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